Gosto de tradição! Não como um simples apreço pelo convencional, mas por todo legado que, transmitido por Deus, nos liga a diferentes aspectos de Sua divindade, como a família, por exemplo, cuja essência é geralmente comparada, a grosso-modo, à Santíssima Trindade.
Creio que nunca me esquecerei da sensação de segurança que me envolvia, quando criança, por ter um pai, uma mãe e irmãos. Como era agradável a certeza da ligação biológica denunciada pelas evidências dos mesmos DNAs estampadas nas faces e comportamentos – reconhecimento tão importante no processo de construção da nossa identidade.
Embora, na adolescência, essa fase tão conflituosa de nossa vida, os momentos de alegria se alternassem com os de tristeza, o seio familiar era, para mim, um porto seguro, mesmo quando abalado pelas vicissitudes de nossas personalidades contaminadas pelo pecado que danificou a nossa originalidade.
A caravana dos anos passou e os aprendizados se acumularam, enquanto os cães ladravam. E, na interinidade entre passado e presente, minha mente fervia a procura de respostas para os porquês de nossa frágil e confusa existência. “De onde vim?”, “Para onde vou?”, eu questionava.
E, na intensidade dos anseios, figuravam Jesus e o amor, sentimento que sempre me movia. E, no decorrer dessa jornada, havia uma igreja, de tradição familiar, cuja fé professada por meus progenitores tinha por sobrenome “não praticante”. E nela eu praticava o que ainda era um esboço do que hoje creio, com lágrimas e experiências inesquecivelmente marcantes que, dia após dia, mostraram-se desprovidas do único conhecimento capaz de preencher o vazio inconsciente.
“Vamos ao mundo!” Despediu-se o coração entristecido e ainda esfomeado. Sócrates, Aristóteles, Platão, Freud... Filosofia e psicologia na veia para remediar as feridas multiplicadas pelas dúvidas que insistiam em não cicatrizar. Machado de Assis, Clarice Lispector, Graciliano Ramos... Ficções genialmente elaboradas para retratar a nossa humanidade moralmente doente, mas igualmente incapazes de elucidar o motivo de tamanha decadência. Ainda as aprecio; não sem moderação, certamente.
Sucessos, conquistas, derrotas e, ufa, o chamado eficaz. Graças à providência pré-estabelecida pelo Soberano, dessa vez, a voz do Todo-Poderoso não era mais um sussurro imperceptível ao entendimento, mas um rugido quebrantador, regenerando o coração com os golpes certeiros do arrependimento salvador. É linda a ação da Graça!
Vida nova; de volta à igreja! Dessa vez, guiada pelo derradeiro Mestre, que tem levado o meu entendimento a navegar pelas águas de uma fé paulatinamente constituída pelas infalíveis revelações contidas nas Sagradas Escrituras. Como sou grata! Até porque, lá estavam, novamente, as velhas dissonâncias entre as maravilhosas lições trazidas pelo Espírito Santo e as reverberações doutrinárias às quais eu estava exposta. Quanta incongruência!
Ah, mas a verdade que liberta só tem uma face, e essa lição aprendi desde cedo. O Deus soberano jamais trará confusão. Mas dependendo de por onde a fé trafega, é grande o risco de se perder pelo caminho da santificação. Há atalhos que supervalorizam determinadas experiências travestidas de dons – que sejam – tornando-as mais importantes do que a imutável e suficiente revelação que nos foi dada por Deus em Sua Palavra.
Ah, as experiências, tão importantes para o fortalecimento da fé quanto sorrateiramente capazes de nos desviar do que realmente nos transforma nos separados do Senhor. “Santifica-os na tua verdade; a tua Palavra é a verdade.”, rogou ao Pai o nosso justificador. Tenho visto que, quanto maior é o entretenimento da mente mais latente é o perigo de o espírito não sair do berçário espiritual. Muitos têm falecido vestidos em fraldas.
“Crescei na graça e no conhecimento do nosso Senhor Jesus Cristo”, exorta o apóstolo Pedro. Incontável, todavia, é o número dos que, na multidão dos que creem, se alimentam, diuturnamente, de doutrinas desprovidas dos nutrientes necessários para que a luz de Jesus, inclusa no farto pacote da graça, viceje e reluza através de suas vidas. O “corpo” de Cristo padece.
E no decorrer dos meses, a grama do vizinho, da qual eu me alimentava desde o princípio, me parecia cada vez mais saborosa e nutricionalmente verde do que a do campo no qual eu me encontrava. Aliás, graças a Deus, a busca pela verdade, nunca antes tão ávida em minha vida, vinha sendo divinamente suprida de forma enviesada. “Quão inescrutáveis são os Seus caminhos!”. O apóstolo Paulo foi um gênio!
Aos pés da Cruz, lágrimas, suor, oração e jejum. “Mostre-me o lugar!”, eu implorava. Aprendi, na prática, o que Tiago define em sua linda carta: Deus não nega sabedoria ao que, com fé, Lhe pede. Aprouve, então, a Deus, capacitar meus olhos para contemplar o caminho pelo qual, há meses, Ele já me conduzia, e me colocar, de forma magistral, como somente Ele pode fazer, no centro do entendimento de Sua maravilhosa graça.
Então ali, em uma igreja tradicionalmente cristã, corpo, alma e coração vivenciam, pela primeira vez em minha vida, a valiosa sensação que é experimentada pelos ombros que, após uma longa e exaustiva viagem, se livram de um peso equivalente a uma tonelada: alívio. “Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve”, nos promete o Senhor, que não mente. Agora entendo!
Tradição, neste caso, é sinônima do zelo que o Senhor tem por sua igreja, edificada sob o alicerce de sua Palavra imutável e soberana, a qual ele resguardou por uma reforma realizada com Suas próprias mãos, por meio de homens iluminados, tochas inextinguíveis, que resgataram a sã doutrina das trevas que devoravam a Sua preciosa igreja. Que enredo!
E nisso aprendi que os anseios pelas respostas corretas para os questionamentos de uma alma que tem fome de Deus não podem ser nutridos por dogmas heréticos ou somente por experiências sobrenaturais que, em relação ao crescimento espiritual cristão, se mostram miseravelmente débeis. Isso me remete ao que o meu sábio pastor precisou cirurgicamente: “A teologia reformada é a que melhor define Deus à luz da Bíblia”. Contra fatos não há argumentos.
Hoje, mais confortável, segura e contente do que na época de minha infância, vejo minha identidade em Cristo ser conformada a partir da herança de Seu infinito amor e edificada sob o alicerce de uma doutrina puramente sadia. Um manjar para o meu espírito, no qual me deleito. Pela graça, mais uma vez, fui salva.
Ah, alegria que não cessa! Entendendo agora, de forma cada vez mais clara, o meu velho apreço pelas tradições divinamente instituídas. O significado de lar, no meu coração, ganhou ainda mais apreço, quando, pela graça, fui inserida na imensa família que Deus consagrou com o seu próprio sangue. E, em uma igreja historicamente reformada, tão certa quanto o meu Senhor Jesus Cristo vive, eu finalmente posso comemorar dizendo: “Enfim, em casa!”.