É notório o fato de que as figuras imaginárias das fadas exercem um fascínio muito grande nas mentes femininas, sobretudo quando somos crianças. Na tenra idade da vida, cremos não apenas na possibilidade de sua existência como, de certa forma, na probabilidade de sermos um desses seres capazes de espalhar beleza e alegria pelo mundo, influenciando no destino das pessoas. Queremos voar, viajar, visitar, conhecer, explorar e, em meio a essas aventuras, fascinar, encantar.
Bruxa, fada ou outro ser mitologicamente semelhante representam nosso desejo mais íntimo de poder realizar coisas maravilhosas com um simples toque de uma vara mágica, munidos, é claro, pela inabalável crença no poder do pensamento. Esse desejo nos segue anos a fora e, em muitos casos, só vem a nos abandonar muito tempo depois da certeza de que Coelhinho da Páscoa e Papai Noel são apenas fantasias criadas para tornar nossa infância mais feliz. Em muitos casos, no entanto, só aceitamos a imposta realidade de que lindas fadas não passam de fantasia em fase adulta, já avançada.
Mas também é verdade, pasmem, que algumas mulheres, donas de mentes e emoções sensíveis além da conta, ainda crêem em magia de alguma forma, ainda que de um modo muito menos pejorativo; tal qual a fé no príncipe encantado, que mesmo em uma versão moderna e mais individualista, figura-nos como alguém que simplesmente se “encaixe”. E devo confessar, perdoe-me o trocadilho, que nesse grupo me encaixo.
Daí que nesses dias tive um daqueles sonhos com quais geralmente somos contemplados na infância ou, no mais tardar, no fim da adolescência, quando a sinestésica memória do primeiro beijo começa se tornar nada mais do que uma saborosa lembrança. De forma que, até agora, sinto o fervor do privilégio correr-me as veias de todo o corpo, culminando em uma gostosa sensação de alegria. Não me julgues piegas ao ler essas palavras antes de saber do sonho. Pode ser até que o considere demasiadamente pueril, mas vou e devo correr o risco. Corra-o comigo.
Eis que em uma noite dessas, quando me dei conta, percebi que tinha o poder de tornar belo tudo o que tocava. Assim, flores murchas vicejavam, tornando-se lindos buquês perfumados. Objetos rotos tornavam-se novos, atrativos e funcionais. Vendo tudo isso, felizmente, não me sentira como o famoso Midas que transformava em ouro tudo o que tocava, visto que por causa dessa façanha, também experimentara ele a dor por tornar inerte e sem vida aqueles que o cercavam.
Eu, pelo contrário, perdoem-me aqui os beatos de plantão pela oportuna analogia, sentia-me, de certa forma, como o Criador no Gênesis que, ao fim de cada dia,via que aquilo que acabara de conceber era bom. Então, ao longo dos minutos, que nos sonhos se constituem horas, caminhando pela rua deparei-me com meninas a brincarem de pular elástico. Nota: Incrível como nos meus sonhos eu sempre consigo ser tão ruim nessa engenhosa brincadeira como era na infância. Mas essa é outra história, que certamente daria um conteúdo para outro post.
Após o lúdico fracasso, uma das meninas aproximou-se de mim e, de forma angelical e estranhamente íntima, contou-me suas aflições. Com um ar de pedido, disse-me ela estar preocupada com o pai desempregado. Em suas palavras quase súplicas, relatou-me que seu maior desejo era que seu progenitor encontrasse trabalho.
Como se não bastasse dar forma e vida nova às coisas e plantas, sempre movida pela certeza de que tudo dependia única e exclusivamente de minha força de vontade, segurei as mãos da encantadora criança, real e autêntica como a filha que um dia quero ter, e pedi que não se preocupasse. E com a força do meu pensamento desejei, com toda a fé que possuía naquele instante, que seu pai arranjasse emprego. Segundos depois surgiu ele contente, comemorando o fato de estar em atividade remunerada.
Além de feliz, senti-me como se tivesse concluído, com brilhante êxito, a mais importante e significativa tarefa daquela noite. Fechara-a, por certo, com chave de ouro, por conseguir levar alívio e felicidade à saudosa menina. Sim, ela me deixara saudade. Tanto que, após alguns dias, ainda procuro seu rosto em cada criança conhecida ou que eventualmente aparece em meu caminho.
Missão cumprida, sonho findo. Como num conto de fadas, ao abrir os olhos estava em minha cama, acordada e feliz, mesmo após perceber que tudo não passara de um lindo sonho. Ao me dar conta de que os poderes mágicos foram tão somente fruto de uma mente que, à luz da ciência, trabalhara para que meu corpo tivesse descanso, curiosamente, o sentimento que reinava em meu coração não era de desapontamento, mas de alegria. A mesma alegria sentida por alguém que, no nosso plano de existência, esse no qual nos julgamos acordados, contenta-se por ter realizado tantas maravilhas.
Em meio às minhas elucubrações, esfuziantes como a borboleta de Lao Tsé – que o irreverente Raul docemente cantou –, ao invés de tristeza por saber que sonhara, senti-me feliz por ter feito, em tão pouco tempo, tantas coisas boas e belas, ainda que enquanto dormia.
PARABÉNS PELO SEU BELO TRABALHO...TE DESEJO MUITO SUCESSO!!!
ResponderExcluirObrigada, querido. De verdade.
ExcluirQue bonito isso aí hein? Tá de parabéns. Adorei essa parte : "Assim, flores murchas vicejavam, tornando-se lindos buquês perfumados. Objetos rotos tornavam-se novos, atrativos e funcionais. Vendo tudo isso, felizmente, não me sentira como o famoso Midas que transformava em ouro tudo o que tocava, visto que por causa dessa façanha, também experimentara ele a dor por tornar inerte e sem vida aqueles que o cercavam."
ResponderExcluirLindo, parabens.
Érica, obrigada pelo elogio que, vindo de você, tem uma importância especial, porque te considero uma pessoa muito inteligente e de extremo bom gosto.
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