segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Conto de fadas

É notório o fato de que as figuras imaginárias das fadas exercem um fascínio muito grande nas mentes femininas, sobretudo quando somos crianças. Na tenra idade da vida, cremos não apenas na possibilidade de sua existência como, de certa forma, na probabilidade de sermos um desses seres capazes de espalhar beleza e alegria pelo mundo, influenciando no destino das pessoas. Queremos voar, viajar, visitar, conhecer, explorar e, em meio a essas aventuras, fascinar, encantar.

Bruxa, fada ou outro ser mitologicamente semelhante representam nosso desejo mais íntimo de poder realizar coisas maravilhosas com um simples toque de uma vara mágica, munidos, é claro, pela inabalável crença no poder do pensamento. Esse desejo nos segue anos a fora e, em muitos casos, só vem a nos abandonar muito tempo depois da certeza de que Coelhinho da Páscoa e Papai Noel são apenas fantasias criadas para tornar nossa infância mais feliz. Em muitos casos, no entanto, só aceitamos a imposta realidade de que lindas fadas não passam de fantasia em fase adulta, já avançada.

Mas também é verdade, pasmem, que algumas mulheres, donas de mentes e emoções sensíveis além da conta, ainda crêem em magia de alguma forma, ainda que de um modo muito menos pejorativo; tal qual a fé no príncipe encantado, que mesmo em uma versão moderna e mais individualista, figura-nos como alguém que simplesmente se “encaixe”. E devo confessar, perdoe-me o trocadilho, que nesse grupo me encaixo.

Daí que nesses dias tive um daqueles sonhos com quais geralmente somos contemplados na infância ou, no mais tardar, no fim da adolescência, quando a sinestésica memória do primeiro beijo começa se tornar nada mais do que uma saborosa lembrança. De forma que, até agora, sinto o fervor do privilégio correr-me as veias de todo o corpo, culminando em uma gostosa sensação de alegria. Não me julgues piegas ao ler essas palavras antes de saber do sonho. Pode ser até que o considere demasiadamente pueril, mas vou e devo correr o risco. Corra-o comigo.

Eis que em uma noite dessas, quando me dei conta, percebi que tinha o poder de tornar belo tudo o que tocava. Assim, flores murchas vicejavam, tornando-se lindos buquês perfumados. Objetos rotos tornavam-se novos, atrativos e funcionais. Vendo tudo isso, felizmente, não me sentira como o famoso Midas que transformava em ouro tudo o que tocava, visto que por causa dessa façanha, também experimentara ele a dor por tornar inerte e sem vida aqueles que o cercavam.

Eu, pelo contrário, perdoem-me aqui os beatos de plantão pela oportuna analogia, sentia-me, de certa forma, como o Criador no Gênesis que, ao fim de cada dia,via que aquilo que acabara de conceber era bom. Então, ao longo dos minutos, que nos sonhos se constituem horas, caminhando pela rua deparei-me com meninas a brincarem de pular elástico. Nota: Incrível como nos meus sonhos eu sempre consigo ser tão ruim nessa engenhosa brincadeira como era na infância. Mas essa é outra história, que certamente daria um conteúdo para outro post.

Após o lúdico fracasso, uma das meninas aproximou-se de mim e, de forma angelical e estranhamente íntima, contou-me suas aflições. Com um ar de pedido, disse-me ela estar preocupada com o pai desempregado. Em suas palavras quase súplicas, relatou-me que seu maior desejo era que seu progenitor encontrasse trabalho.

Como se não bastasse dar forma e vida nova às coisas e plantas, sempre movida pela certeza de que tudo dependia única e exclusivamente de minha força de vontade, segurei as mãos da encantadora criança, real e autêntica como a filha que um dia quero ter, e pedi que não se preocupasse. E com a força do meu pensamento desejei, com toda a fé que possuía naquele instante, que seu pai arranjasse emprego. Segundos depois surgiu ele contente, comemorando o fato de estar em atividade remunerada.

Além de feliz, senti-me como se tivesse concluído, com brilhante êxito, a mais importante e significativa tarefa daquela noite. Fechara-a, por certo, com chave de ouro, por conseguir levar alívio e felicidade à saudosa menina. Sim, ela me deixara saudade. Tanto que, após alguns dias, ainda procuro seu rosto em cada criança conhecida ou que eventualmente aparece em meu caminho.

Missão cumprida, sonho findo. Como num conto de fadas, ao abrir os olhos estava em minha cama, acordada e feliz, mesmo após perceber que tudo não passara de um lindo sonho. Ao me dar conta de que os poderes mágicos foram tão somente fruto de uma mente que, à luz da ciência, trabalhara para que meu corpo tivesse descanso, curiosamente, o sentimento que reinava em meu coração não era de desapontamento, mas de alegria. A mesma alegria sentida por alguém que, no nosso plano de existência, esse no qual nos julgamos acordados, contenta-se por ter realizado tantas maravilhas.

Em meio às minhas elucubrações, esfuziantes como a borboleta de Lao Tsé – que o irreverente Raul docemente cantou –, ao invés de tristeza por saber que sonhara, senti-me feliz por ter feito, em tão pouco tempo, tantas coisas boas e belas, ainda que enquanto dormia.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

O retrato da amizade

Dizem que a verdadeira sabedoria de um ser humano está em saber ouvir o próprio coração. Seja em momentos de angústia, dúvidas ou de fortes desentendimentos, quando tudo parece se desmanchar em um caos sem fim, lá estão nossas emoções tentando entrarem em consenso com nossa mente, para resolverem o emaranhado de ideias que parecem prestes a dissolverem nossa lucidez. E é curioso constatar, lá na frente, como as primeiras impressões que temos, sempre fruto daquilo que sentimos, acabam sendo confirmadas quando, finalmente, a ordem consegue surgir com a luz que aos poucos se fortalece, até dissipar a temida escuridão.

Ocorre que, nos últimos dias, a triste sensação de acreditar que teria me enganado em meu imenso amor por uma querida amiga, havia-me feito perder algumas preciosas gramas do que compõem minha imensa alegria de viver. Sempre soube que a amava. Mas a dor de achar que todo o carinho e atenção a ela dispensados, ao longo de, sei lá, sete anos, poderiam ter sido em vão, fizeram-me mergulhar em uma angústia que, aos poucos, me consumia num triste e desolador vazio, ainda que me julgasse em pleno vigor.

No entanto, em meio às várias lágrimas choradas, alimentadas pela imensa dor que me latejava o peito, flashes de sentidos me davam a sensação de que meu coração não errara. E deste coração, que tanto já chorou pelos dissabores de amores mal resolvidos, nasciam tímidos lampejos de lucidez, inseguros quanto a possibilidade de sempre ter sido correspondido, ainda que tais centelhas vestissem o puro véu da ingenuidade, com o qual se cobre uma criança que, no passageiro ápice da sabedoria humana, acredita, com todo o coração, que é o centro do mundo.

Mas sempre defendi a ideia de que a maior serventia de cada experiência que acumulamos em nossas vidas é o fato de poder colocá-las em prática em nosso dia a dia. E disso me encarrego todo o tempo. Pois, então, de que me adiantaria uma velhice cheia de inúmeras lembranças, sem que nunca houvesse realizado uma conquista que fosse, ao aplicar ao menos uma meia dúzia de ensinamentos adquiridos nessa minha rica e intensa existência.

Daí que decidi esperar que os dias se passassem assim, lentos, como uma mão maternal a embalar nossos sonos tenros. Nisso que rapidamente a dor passou, deixando somente a incompreensão a baliar no meio do ainda denso caos, ávido, por certo, para se tornar ordem no universo dos sentimentos.

Eis que, assim, como surgem os acontecimentos pelos quais tão cedo esperamos, chegou a hora e a vez do aguardado encontro. Veio-nos ele derradeiro e certo, como só o momento da morte o consegue ser. Vencidos os contratempos, vimo-nos em meio às palavras ditas em verdades sóbrias, seguras e sinceras, quase como súplicas pelo fim de um tormento. Mostram-se elas amigas do puro e do belo, como se revela o retrato de uma verdadeira amizade; pois só ela, em sua verve, é capaz de mostrar ao mundo que só quem tem amigos de verdade conhece o amor em sua plenitude.

Ao me deparar com a Bella amiga, que não somente aos olhos encanta, os sentidos riram-se todos, enternecidos a clamar pelo mais saboroso dos abraços: aquele que surge com o antídoto para curar uma grande saudade. Dali em diante, reinou absoluta toda a certeza de que cada entendimento desajuizado fora tão somente alimentado pelo bastardo mal entendido, esse filho da ausência do diálogo com o substantivo de alguma lamentável coincidência.

Naqueles mágicos e lindos instantes a clareza das ideias, que nasciam de uma prosa quase iluminista, fizeram dissipar todas as sombras das incertezas e despiram um céu que nos abraçava límpido e contente, como se estivesse sobre um jardim na primavera, contemplado pela magia de duas únicas flores, suficientes, entretanto, para espelhar pelos ares o doce e envolvente aroma da felicidade.

Parecia mais linda minha amiga, naqueles instantes, talvez pela imensa felicidade que atualmente vive em sua vida. Eu, por outro lado, experimentava o gosto amargo do fel da culpa por permitir que, por longos e árduos dias, a imagem daquela que sempre surgia como um sol em meio às fortes tempestades, se perdesse nas razões desconexas da incerteza de seu sóbrio caráter. Mas a alegria de rever aqueles olhos brilhantes, que sempre foram capazes de, despretensiosamente, anular as fugazes dores que inadvertida e ocasionalmente me invadem o peito, fez-me sentir, mais uma vez, o prazer de poder dizer a meu irriquieto coração aquilo que levava minha mente a não parar de comemorar: "Sim, sempre foras correspondido!"

Agora, com a volta triunfante da certeza da permanência dessa grande beleza em minha vida, consegui ser perdoada pelo justo e, às vezes, impiedoso martelo de minha consciência, e permito-me seguir meu caminho mais madura para viver por inteiro as alegrias da reciprocidade. Porque, de hoje em diante creio, mais do que nunca, que o verdadeiro amor sempre poderá ser visto no retrato de uma linda amizade; esse que mão nenhuma, por mais forte e cruel que se apresente, terá poder suficiente para fazê-lo em pedaços.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Eterno começo

Assim surgem as grandes ideias: uma maçã que nos cai na cabeça, uma brisa suave que nos acaricia a face, uma folha que de velha flutua até o chão, uma frase dita do nada... E surge, então, a teoria da relatividade. E basta que um simples, porém atento golpe de vista, ou que qualquer um de nossos sentidos captem momentos como esses para que grandes invenções sejam registradas, carimbadas e rotuladas para ganhar vida própria no senso comum. Pronto, primeiro plágio. Saiba, daqui para frente, que se fores acompanhar esse ainda despretensioso blog, encontrarás inúmeras referências àqueles que carinhosamente chamo de mestres. Estreia, nessas linhas um displicente trocadilho com a lúdica canção “Plunct Plact Zum” do irreverente e inesquecível Raul Seixas.

Voltando ao que interessa, ocorre que em uma rotineira reunião de trabalho, na qual feliz e eventualmente aconteceu uma pequena pausa para elucubrações, eu solto um despretensioso “Sócrates que o diga!”, dito ao finalizar uma colocação acerca do que, nem com muito esforço, consigo me recordar. Pronunciada a enfática frase, não é que meu chefe, a quem eu já havia falado sobre minha adiada vontade de criar um blog, levanta-se inesperadamente da cadeira e deixa a sala, para a qual ele retorna, de forma mais inesperada ainda, com o computador nas mãos, cheio de instruções.

“Entra nesse site!”, ordenou-me ele. Obediente, com um clique após outro, escrevi, marquei, desmarquei, confirmei e, poucos minutos depois, estava pronta esta página, na qual discorrem estas frases ainda meio desnorteadas. Desse ato de despretensiosa criação, surgiu este blog, com nome e tudo... Esse, que surgiu de uma ideia solta, cuja pretensão era única e exclusivamente demonstrar a intenção desta simples jornalista em comparar seus pensamentos aos do grandioso filósofo ateniense, o maior, em minha modestíssima opinião.

Bem, muitos dias depois, obrigo-me a escrever o primeiro texto a ser publicado no meu tão sonhado blog. Tá, você deve estar se questionando quanto ao porquê de tanto esmero, já que todo mundo tem blog hoje em dia. Pois eis aí o grande “y” da questão. Nota: sempre achei essa letra mais enigmática que o “x”. E convenhamos: nas equações matemáticas a presença do “y” era sempre aquela que literalmente fazia a gente pensar: “Como é que eu vou resolver essa p$%#@”. Enfim, como se não bastasse ser difícil a tarefa de escrever em uma página que menciona um dos maiores gênios de todos os tempos, ainda tinha eu que vencer minha recorrente preocupação em não fazer mais do mesmo.

Daí que, seguindo o conselho desse mesmo chefe, cujo primeiro texto de seu blog serviu-me de grande inspiração para o adiado começo, convenço-me de que, em determinadas circunstâncias, o perigo de esperar até conseguir criar algo novo nos remete, inadvertidamente, ao desnecessário risco de chegar a lugar nenhum, se desprezamos, por excesso de preciosismo, o caminho pelo qual tantos percorrem para chegarem onde querem, não importa o destino que almejem.

Conselhos seguidos e apelos amigáveis atendidos, decido-me por escrever sobre o que gosto de falar. Desta forma, dou vida a esta página com a resumida história que explica o nome deste blog que, por sua vez, se constitui sua gênese. Nesse ponto de partida, a única coisa da qual estou certa é que, no afã de expressar opiniões e pensamentos próprios, a melhor tática é não se preocupar com a linha, mas deixar que as palavras fluam livres, guiadas pelo pensamento e pelo coração. Pois, aqui, relato minhas experiências de vida, na qual cada dia é um novo capítulo que escrevo, sem me preocupar com os próximos, pois dos amanhãs, só sei que vivo hoje um eterno começo.