terça-feira, 14 de setembro de 2010

O retrato da amizade

Dizem que a verdadeira sabedoria de um ser humano está em saber ouvir o próprio coração. Seja em momentos de angústia, dúvidas ou de fortes desentendimentos, quando tudo parece se desmanchar em um caos sem fim, lá estão nossas emoções tentando entrarem em consenso com nossa mente, para resolverem o emaranhado de ideias que parecem prestes a dissolverem nossa lucidez. E é curioso constatar, lá na frente, como as primeiras impressões que temos, sempre fruto daquilo que sentimos, acabam sendo confirmadas quando, finalmente, a ordem consegue surgir com a luz que aos poucos se fortalece, até dissipar a temida escuridão.

Ocorre que, nos últimos dias, a triste sensação de acreditar que teria me enganado em meu imenso amor por uma querida amiga, havia-me feito perder algumas preciosas gramas do que compõem minha imensa alegria de viver. Sempre soube que a amava. Mas a dor de achar que todo o carinho e atenção a ela dispensados, ao longo de, sei lá, sete anos, poderiam ter sido em vão, fizeram-me mergulhar em uma angústia que, aos poucos, me consumia num triste e desolador vazio, ainda que me julgasse em pleno vigor.

No entanto, em meio às várias lágrimas choradas, alimentadas pela imensa dor que me latejava o peito, flashes de sentidos me davam a sensação de que meu coração não errara. E deste coração, que tanto já chorou pelos dissabores de amores mal resolvidos, nasciam tímidos lampejos de lucidez, inseguros quanto a possibilidade de sempre ter sido correspondido, ainda que tais centelhas vestissem o puro véu da ingenuidade, com o qual se cobre uma criança que, no passageiro ápice da sabedoria humana, acredita, com todo o coração, que é o centro do mundo.

Mas sempre defendi a ideia de que a maior serventia de cada experiência que acumulamos em nossas vidas é o fato de poder colocá-las em prática em nosso dia a dia. E disso me encarrego todo o tempo. Pois, então, de que me adiantaria uma velhice cheia de inúmeras lembranças, sem que nunca houvesse realizado uma conquista que fosse, ao aplicar ao menos uma meia dúzia de ensinamentos adquiridos nessa minha rica e intensa existência.

Daí que decidi esperar que os dias se passassem assim, lentos, como uma mão maternal a embalar nossos sonos tenros. Nisso que rapidamente a dor passou, deixando somente a incompreensão a baliar no meio do ainda denso caos, ávido, por certo, para se tornar ordem no universo dos sentimentos.

Eis que, assim, como surgem os acontecimentos pelos quais tão cedo esperamos, chegou a hora e a vez do aguardado encontro. Veio-nos ele derradeiro e certo, como só o momento da morte o consegue ser. Vencidos os contratempos, vimo-nos em meio às palavras ditas em verdades sóbrias, seguras e sinceras, quase como súplicas pelo fim de um tormento. Mostram-se elas amigas do puro e do belo, como se revela o retrato de uma verdadeira amizade; pois só ela, em sua verve, é capaz de mostrar ao mundo que só quem tem amigos de verdade conhece o amor em sua plenitude.

Ao me deparar com a Bella amiga, que não somente aos olhos encanta, os sentidos riram-se todos, enternecidos a clamar pelo mais saboroso dos abraços: aquele que surge com o antídoto para curar uma grande saudade. Dali em diante, reinou absoluta toda a certeza de que cada entendimento desajuizado fora tão somente alimentado pelo bastardo mal entendido, esse filho da ausência do diálogo com o substantivo de alguma lamentável coincidência.

Naqueles mágicos e lindos instantes a clareza das ideias, que nasciam de uma prosa quase iluminista, fizeram dissipar todas as sombras das incertezas e despiram um céu que nos abraçava límpido e contente, como se estivesse sobre um jardim na primavera, contemplado pela magia de duas únicas flores, suficientes, entretanto, para espelhar pelos ares o doce e envolvente aroma da felicidade.

Parecia mais linda minha amiga, naqueles instantes, talvez pela imensa felicidade que atualmente vive em sua vida. Eu, por outro lado, experimentava o gosto amargo do fel da culpa por permitir que, por longos e árduos dias, a imagem daquela que sempre surgia como um sol em meio às fortes tempestades, se perdesse nas razões desconexas da incerteza de seu sóbrio caráter. Mas a alegria de rever aqueles olhos brilhantes, que sempre foram capazes de, despretensiosamente, anular as fugazes dores que inadvertida e ocasionalmente me invadem o peito, fez-me sentir, mais uma vez, o prazer de poder dizer a meu irriquieto coração aquilo que levava minha mente a não parar de comemorar: "Sim, sempre foras correspondido!"

Agora, com a volta triunfante da certeza da permanência dessa grande beleza em minha vida, consegui ser perdoada pelo justo e, às vezes, impiedoso martelo de minha consciência, e permito-me seguir meu caminho mais madura para viver por inteiro as alegrias da reciprocidade. Porque, de hoje em diante creio, mais do que nunca, que o verdadeiro amor sempre poderá ser visto no retrato de uma linda amizade; esse que mão nenhuma, por mais forte e cruel que se apresente, terá poder suficiente para fazê-lo em pedaços.